Bio Desing, nossa maneira de brincar de Deus
BioArt, o nome é bonito, não é? É fácil pensar que a presença do sufixo bio – vida – está ali para exprimir um caráter ecológico, ou talvez "natural", mas garanto, não há nada de vida em Bioarte.
Explico, BioArt, ou Bio Design, é uma prática artística que faz uso de matéria viva para produzir "obras de arte". Células, bactérias ou até mesmo organismos completos são manipulados, por meio de diversas técnicas de engenharia genética, e usados como medium pelo artista. Como é o caso dessa "pintura" microscópica, criada com diferentes colônias de bactérias que expressam fluorescência oriunda de proteínas retiradas de corais.
Até que ficou bonitinho, não ficou? A maioria das Bioartes são assim, microscópicas, e não utilizam organismos complexos. Até mesmo o artista brasileiro Vik Muniz já brincou com essas técnicas e fez padronagens utilizando colônias de procariontes (a primeira imagem desse post). Infelizmente, alguns "artistas" resolveram ir um pouco além, com é o exemplo de Eduardo Kac, que criou a coelhinha Alba, a única de sua espécie a brilhar no escuro. O feito foi alcançado introduzindo genes de águas vivas bioluminescentes no código genético do embrião de coelho.
Por mais que a veracidade de algumas das fotos do coelho de Kac tenham sua veracidade questionada, e os possíveis problemas que essa alteração genética podem ter trazido ao espécime não serem conhecidos, sabemos que ela morreu aos 4 anos de idade, um expectativa de vida normal para um coelho de laboratório.
Humanos brincando com a genética de outros seres vivos pode parecer algo saído de um filme de ficção científica, mas na realidade é algo que fazemos há milhares e milhares de anos. Isso mesmo, a engenharia genética é só a ferramenta mais recente, e eficiente, que nós encontramos para fazer tais transformações. Quando nossos ancestrais começaram a domesticar animais, e logo em seguida a cruzar os animais que possuíam os traços que eles julgavam ideais, já estávamos realizando um processo de condicionamento genético, processo esse que criou todas as diferentes raças de cachorro que encontramos hoje. Pode parecer simplista da minha parte comparar os dois processos, mas em seu cerne, os dois têm o mesmo efeito, o método mais moderno é apenas mais rápido e controlado.
A realidade é que esses organismos geneticamente modificados (sim, aqueles que possuem aquele temível T na embalagem), não são necessariamente ruins, alguns são extremamente benéficos à humanidade. Para dar um exemplo: antes dos anos 80, a insulina tinha de ser extraída do pâncreas de porcos. Cerca de 56 milhões de porcos eram mortos todos os anos, somente nos Estados Unidos, para suprir a demanda da população diabética. Hoje, graças aos avanços da engenharia genética conseguimos criar bactérias que secretam a insulina humana. Infelizmente, os preços desse medicamente essencial à vida de tantas pessoas continuam aumentando, isso acontece não porque os métodos de produção mudaram e se tornaram avançados e caros, mas por conta de empresas que exploram monopólios no mercado farmacêutico e impedem que milhões de pessoas tenham acesso as doses que necessitam para sobreviver.
Mas então, se os OGMs não são os vilões, porque a BioArt é?
É simples, existe uma diferença clara entre modificar um organismo para o benefício da humanidade, e modificar um organismo para o prazer e apreciação do humano. Não é ético estarmos manipulando a vida de outros seres para o nosso entretenimento, seja coelhinhos brilhantes, seja fofos cachorrinhos com deformações cranianas tão severas que lhes dificulta a respiração. O prazer do ser humano não deve ser colocado acima do bem estar e da natureza de outros seres, me dói o coração saber que artistas como Eduardo Kac fazem uso de uma tecnologia tão avançada e com um potencial tão grande para salvar vidas, para criar um "novelty animal", é simplesmente imoral. Não importa o quão interessante seria ter um animal de estimação que brilhasse no escuro, ou ir ao zoológico para assistir o paleontólogo Jack Hoener apresentar seu Projeto Chickenosaurus, que promete criar um dinossauro utilizando técnicas de reversão genética em embriões de galinha, o que importa é que nós, como espécie mais avançada, não podemos exercer domínio sobre outras formas de vida, nosso dever deveria ser preservar a vida como ela é.
Eu não sou um homem religioso, mas sempre que discuto esse assunto, tenho que concordar com a carta do Vaticano que frequentemente critica estudos de genética quando dizem que criar vida é função de Deus, e que nós não podemos brincar de ser Ele. Não é por que nós temos as ferramentas e o conhecimento necessário para criar essas aberrações que devemos fazê-lo. Nós não somos Deus, no sentido de que não criamos nenhuma forma de vida, e não devemos, pelo simples fato que não nos cabe ditar sobre a vida alheia.
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