MUT.E e as cidades do futuro

Se você parar para pensar, um carro nada mais é do que uma carroça com cavalos mecânicos. Eu digo isso porque, em sua essência seu design não inovou tanto desde a charrete. Temos um cocheiro motorista, virado para frente guiando seu automóvel com quatro rodas. É claro que essa comparação é simplista, um carro é obviamente exponencialmente mais avançado do que uma simples carroça, mas ainda assim, me parece incabível que a humanidade não tenha exatamente inovado seu design nos últimos 5500 anos...

É por isso que eu escolhi dissertar sobre o projeto MUT.E e elaborar um pouco sobre o futuro mobiliário urbano. MUT.E, que ganha seu nome da palavra alemã mut, que significa coragem, e a leta E que transmite a ideia de evolução e tecnologia, é um projeto do designer pernambucano Dayvid Almeida e que ganhou o prêmio de 1º lugar no Moving'on Challenge Design 2020 da Michelin. O desafio proposto era de criar soluções sustentáveis para a mobilidade do ano 2035. MUT.E é um veículo autônomo, ou seja, é solicitado pelo usuário e então ele se dirige até o solicitante e o leva até seu destino, e seu visual é inspirado em tentáculos de polvo, um majestoso caso de biomimética, e transgride a ideia que temos de um automóvel. Logo de cara eu já me interessei pelo projeto, que não gostaria de chegar no trabalho dentro de uma roda gigante como essa?

Como fã de ficção científica eu sonho com o dia que nossas cidades se tornarão como as cidades de Os Jetsons, ou de Futurama. E a ideia de Dayvid é um dos mais inovadores designs de automóveis do futuro criados recentemente, com certeza já superou o visual do Cybertruck do Elon Musk! Mas como seria ter esses veículos transitando em meio as nossas cidades? Pra poder começar a conceber essa ideia temos que primeiro compreender como MUT.E funcionaria.

Como falei, Dayvid teve inspiração nos tentáculos de um polvo, e isso vai além do visual circular, seu produto seria desenvolvido de um biomaterial flexível (não é especificado o material utilizado, mas espero que não seja borracha da Michelin), o que permitiria também alterar seu formato, e até acoplar outros módulos para aumentar a capacidade de carga do veículo. O veículo é projetado para acomodar um humano médio (seja lá o que isso quer dizer), com uma altura de 1,78m e largura de 1,20m. Os pistões que vemos ao redor da roda, quando na parte de trás, propulsionam o automóvel liberando jatos de ar, o que, combinado com o fato de ser um veículo elétrico, torna MUT.E uma solução sem muitos impactos ambientais, já quando os pistões se encontram à frente do veículo, eles succionam o chão, trazendo mais estabilidade. Com essa capacidade de aderir à superfícies, MUT.E também não ficaria limitado ao transporte terrestre, e poderia fazer uso de estruturas suspensas para uma locomoção mais tridimensional, uma solução bem menos complexa e perigosa do que carros voadores.

Agora, vamos exercitar nossa criatividade. Imagine que estamos em 2035, andando na rua sem um destino óbvio. O que veríamos ao nosso redor? Como seria o cheiro desse futuro, e que sons escutaríamos? Não sei quanto a vocês, mas eu gostaria de um futuro sem cheiro de carbono, mais silencioso eu não to vendo nenhuma buzina dentro do MUT.E e sem tantos carros! Sério, se você já viu alguma foto das ruas Japonesas pode n ter reparado, mas não vai encontrar nenhum carro parado ao lado do meio fio, isso porque lá é proibido estacionar na rua! Agora imagine, como a arquitetura da cidade seria valorizada sem a poluição visual causada pelo excesso de veículos tapando todas as fachadas. E não é que esse projeto também pensou nisso? O frame flexível de MUT.E permitiria que ele, quando não estivesse sendo usado, servisse como mobiliário urbano, se desdobrando para se transformar em bancos e espreguiçadeiras para o público, o que é uma proposta ousada, tendo em vista o visual alienígena do projeto, mas é certamente uma provocação para os arquitetos do futuro que poderão integrar a arquitetura urbana a projetos de mobilidade como esse.

É claro que para alcançar esse futuro não bastaria mudar os veículos que utilizamos, e eu poderia discursar por horas falando sobre a mudança necessárias para alcançarmos esse futuro, mas esse não é o tema dessa postagem, então me limito a dizer que projetos como MUT.E, que transgridem a forma e questionam a norma, provocam mudanças no ambiente ao redor.

Sem dúvida, eu adoraria andar dentro de um veículo tão inusitado como esse. MUT.E é, como os próprios jurados do prêmio analisaram, um projeto bastante "redondo" (sem intenção de piadas), completo e bem pensado, além de uma proposta bastante viável, até mesmo com as tecnologias existentes hoje, tornando-o difícil de criticar. Mas se fosse alterar alguma coisa no projeto, seria o design dos acentos. Eu entendo a escolha estética de criar um acento não convencional que dialogue com o visual do projeto como um todo, mas, pessoalmente, eu só consigo imaginar o a estranha sensação que seria sentar em algo que parece uma cama de pregos do futuro! Talvez algumas coisas possam se manter iguais por milhares de anos, então eu sugeriria à Dayvid retroceder aos desenhos mais antigos do MUT.E e deixar o acento do veículo como uma peça única e lisa, talvez acolchoada para tornar mais agradável a experiência de locomoção.